O armazém velho

- Sim é calmo e sossegado, isso agrada-me mais do que euforia e confusão - disse.
Diana deitou-se a fitar o céu. Estava de barriga para o ar, com um olhar perdido perante a infinidade do Universo.
Havia coisas que desde pequena a fascinavam. Mas naquele momento sentia-se perdida entre pensamentos, a sua minha havia-a levado por caminhos nunca antes percorridos. Diana começava a perceber o dualismo de Freud, mas havia mais situações que povoavam os seu pensamentos.

Permaneceram por algum tempo imóveis. Encontravam-se num campo, deitados, sem mais ninguém por perto. Ao longe, estava o grande armazém velho, que caracterizava profundamente aquela paisagem. A lua brilhava e Pipo sentia-se completamente relaxado.
Diana estava calada e então o querubin decidiu quebrar o silêncio:
-O que te vai no pensamento ?

- o próprio pensamento - disse vagamente. Não estava à espera de uma pergunta fosse ela de que género fosse. - não sei, desde pequena que o Universo me fascina, somos tão insignificantes ao seus olhos.
Diana não olhara para o querubim para responder, continuava de barriga para cima, a observar o céu.
- E a ti, o que te vai no pensamento? - perguntou ao rapaz ao seu lado - também estás muito calado.

-O meu pensamento remonta para a saudade. Há muito tempo que tenho o coração vazio. - Respondeu Pipo.
-Realmente... O universo fascina-me.
Sentou-se e focou o céu abundante de astros. Aquele local dava uma excelente visão. Era, de facto, um lugar mágico onde qualquer pessoa poderia encontrar paz.

Diana sentia-se calma, serena, há já algum tempo que não encontrava essa paz interior.
- Vazio.. às vezes começo a pensar se não seria melhor não ter coração. Mas enfim ... - disse desta vez um timbre de voz diferente. - Está agradável a noite. - continuou com o intuito de mudar de tema. Custava-lhe falar do coração, sempre custou, e muito provavelmente sempre iria custar.
Continuou a fitar o universo como se esse lhe preenche-se a alma e se de nada mais precisasse naquele momento.

-Bastante agradável. Sabes uma coisa ? Nunca irei falar deste local aos outros querubins. A maior parte apenas passa pelo armazém e nunca vem para estes lados. Acho que devia continuar assim. - Disse animado.
Estava mesmo uma noite bastante agradável. Já não fazia tanto frio e o vento acalmara. Um ambiente harmonioso que combinava na perfeição com a imensidão da noite.

Diana, tinha levado um casaco, mas naquele momento achava-o desnecessário.
- Bem, não vai ser só o teu "local secreto" - disse vagamente - Afinal eu também o conheço, e assim deixa de ser apenas teu.
Estava uma noite agradável, por mais escuro que fosse o céu estava bastante iluminado, e à medida que o tempo passava Diana tinha menos vontade de ir para o seu quarto.

-Eu também não disse que este seria o meu "local secreto". - Disse rindo - Podes contar a quem quiser, mas é pena. Pipo estava agora mais focado na conversa do que no céu e no que o rodeava.
Estava cada vez menos frio e começava a ficar tarde. Aquele ambiente era tão acolhedor que só lhe apetecia ficar ali, por mais um longo tempo.

- Não me parece que vá contar a alguém - disse com um encolher de ombros - Não gosto de muita confusão, e assim posso vir para aqui com a certeza de que não estará aqui ninguém.
Diana, por estranho que parecesse desviara também a atenção do céu, dando mais atenção à conversa, aquilo que a rodeava e também às horas.
- É mais agradável enquanto isto não está cheio de gente aos saltos, e gritos, é mais calmo, gosto mais - continuou a falar.

-Não podes assegurar que não vai estar cá ninguém. Nunca se sabe quando me poderás encontrar aqui. Espero bem que não contes a ninguém. - Sorriu Pipo. O querubin sentia-se bem. Sentado na relva, a falar com Diana e concentrado naquele momento.
Pipo olhou em redor e não viu nem ouviu ninguém. Naquele local sim, podia ter paz.

- Não vou contar - riu-se um pouco. - Sabes há imenso tempo que não me sentia tão calma - continuou - era capaz de ficar aqui imenso tempo.
Diana sentiu-se envergonhada ao dizer aquilo, mas bem, era apenas a verdade.
Olhou à volta, estava tudo estranhamente calmo, apenas a longa e profunda respiração dos dois querubins se ouvia. Fez-se um pouco de silêncio, o qual Diana não ousou quebrar.

Mantiveram-se calados durante algum tempo. Diana parecia estar concentrada em algo e Pipo não a quis interromper. Pipo tirou o telemóvel do bolso e olhou para as horas. Já era tarde. A maior parte dos querubins já devia estar deitada, mas Pipo não queria sair dali. Mas talvez tivesse de o fazer porque mais cedo ou mais tarde teria de ir para o quarto.

Era estranho todo aquele silêncio.
- Estás muito calado.. - interrompeu Diana - Já é tarde.. se quiseres ir embora vai. não te prendas por mim, as estrelas já caíram há muito - disse não muito segura das suas palavras.
Não sabia se o querubim iria embora depois daquilo, mas não queria, de certa forma "prende-lo" ali, ao seu sossego e ao seu mundo.

-Vais ficar aqui ? - Perguntou Pipo a Diana.
Achou estranho mas não sabia no que Diana estava a pensar. Iria ficar ali até de madrugada? Iria dormir ali, na relva seca e confortável?
Pipo continuava sentado, à espera da resposta de Diana.

- Talvez, talvez fique aqui a noite toda, qualquer das formas não me apetece ir para o meu quarto. De lá não posso ver o céu. - disse.
Diana não sabia se era essa a resposta que Pipo esperava, mas era a única que lhe soubera dar. Talve ficasse mesmo ali, talvez fosse embora a meio da noite, ou apenas de manhã. "talvez" pensava ela.

-Não me apetece ir para o meu quarto. Importas-te se te fizer companhia ? - Perguntou novamente Pipo.
A ideia era realmente estranha. Desde que chegara à CHERUB que nunca tinha dormido fora do quarto. Mas há uma primeira vez para tudo e nessa noite podia ser esse o caso.
-Tens azar. Do meu quarto dá para ver o céu! - Sorri Pipo.

- Fica - disse Diana.
Pipo não se afastou.
- Se quiseres, faz como se eu não estivesse aqui - riu-se enquanto proferia a frase anteriormente dita pelo querubim.
Diana também ainda nunca tinha dormido fora do seu quarto, mas a noite estava agradável, e dormir na relva, naquele dia, não seria de longe um sacrifício.

-Se vais ficar aqui, faço-te companhia. - Sorriu Pipo. Aquilo parecia uma aventura. Não era permitido dormir fora dos quartos, mas ali talvez ninguém os visse.
- Vai ficar mais frio... - Assentiu Pipo.
Mas isso era o menos. Queria ficar ali a noite toda.

- Obrigada pela companhia- sorriu Diana.
Olhou em volta e reparou que se levantara uma brisa um pouco mais forte do que a que se havia levantado até ali.
- Sim, mas sempre ouvi dizer que isso era psicológico - disse Diana enquanto apertava o casaco.
A ideia de passar ali a noite deixava-a numa mistura de sensações que nem ela era capaz de descrever, era um risco, mas por outro lado sentia-se tão bem.

-Olha que eu acho que é tudo menos psicológico. Mas nenhum frio vai estragar esta noite. - Disse enquanto pegava no seu casaco e o vestia. Estava frio mas como ele dissera, isso não o iria impedir de dormir ali.
Depois de vestir o casaco já não sentia muito frio e voltou-se a deitar a olhar para o céu. Depois, virou-se para Diana e disse:
-Estás a pensar dormir ou vais ficar a fazer companhia às estrelas ?

Diana não conseguiu evitar sorrir.
- Não, o frio não tem assim tanta influencia. - respondeu vagamente.
Fixou um ponto brilhante no céu, uma estrela.
- Talvez as estrelas precisem de companhia - disse olhando para o rapaz. - Talvez se sintam sozinhas - riu-se.
Estava agora sentada, a entre-calar o seu olhar entre o céu e o rapaz, com os joelhos dobrados e as mãos a segura-los.

-Eu sei. -Soltou uma gargalhada. Pensou por um bocado e disse de forma ingénua:
-Estás a olhar tanto para mim e para o céu... Estás a ver alguma semelhança ? - Um sorriso invadiu-lhe a cara.
Sentara-se também, na mesma posição que Diana. Observava atentamente a querubim. Parecia contente, tal como Pipo.

- Sempre me ensinaram que era falta de educação falar para uma pessoa e não olhar para ela, nos olhos - disse rindo.
Talvez, encontrasse, talvez a paz que o céu lhe trazia a encontrasse agora também em Pipo, era estranho para ela. Mas enfim, não podia contrariar aquilo.
- Não sei, talvez encontre, mas não faço ideia o que - continuou.

-Isso é bom ? - Perguntou Pipo.
Pipo tinha tudo menos sono. Passara a noite a olhar para o céu mas agora observava a querubin a seu lado.
Pipo sentia-se estranhamente bem naquele ambiente.
Eram quase 3 da manhã e o tempo corria devagar. Ia ser uma noite longa.

Diana, pela primeira vez, estava a gostar que a noite demorasse a passar.
- Talvez, quer dizer, o céu, as estrelas, o universo, sempre me fascinaram...
Diana não sabia se era essa a resposta que Pipo queria, pelo que continuou:
- E tu, encontras alguma semelhança entre mim e Universo? - disse envergonhada - reparei que também fitavas os dois.
Diana aguardou em silêncio uma resposta durante os segundos seguintes.

-Não sei. Nem pensei sobre isso. - Pipo esticou a língua e fez uma careta.
Pipo começava a ficar cansado, mas Diana parecia exactamente igual ao que estava uma hora atrás.
A lua iluminava a relva e os dois querubins. O vento soprava e as árvores pareciam falar entre elas.
-O que estás a pensar fazer neste tempo todo ?

Diana começava a notar que Pipo ficava cansado a cada momento que passava, não queria "obriga-lo" a ficar ali, mas por outro lado não queria que este se fosse embora. Estava frio, mas ao mesmo tempo quente, era uma noite escura mas as estrelas iluminavam-na. Era estranho, mas tinha um ar acolhedor, e por mais que se tratasse apenas de um relvado, sentia-se bem ali. Tinha receio que Pipo não partilhasse da mesma opinião...
- Contar as estrelas - riu-se. - Estás a ficar cansado, não estás ? - perguntou ao rapaz.

-Um bocado. Acordei relativamente cedo para fazer alguns exercícios e ainda me dói as costas e o pescoço. Apesar de isto ser confortável a dor não passa de um momento para o outro. -Soltou um riso.
Pipo voltou-se para Diana e proferiu:
-Mas estou a gostar bastante de cá estar. Contigo.

Diana corou um pouco, era normal nela isso acontecer, acontecia até vezes a mais, mas como estava escuro o querubim nem deve ter reparado.
- Também eu.. Também estou a gostar bastante de estar cá.. Contigo. - respondeu enquanto virava a cara para o céu.
Fez-se silêncio, o som do vento uivava por entre as árvores, as estrelas brilhavam e Diana.. Diana estava estática.

-Ainda bem. - Disse Pipo entre dentes para Diana não o conseguir ouvir.
Diana ficou muito calada, sem dizer uma palavra nem fazer qualquer gesto.
Pipo interveio:
-Que se passa ?

Diana estava corada.
- Disseste "ainda bem" - sorriu. - Pensei que estavas cheio de sono e completamente cansado, demasiado para continuares aqui comigo..
Diana não sabia ao certo o que passava pelos pensamentos de Pipo naquele momento, e estava deveras tentada a perguntar-lhe, mas talvez não o considerasse oportuno, talvez não tivesse coragem suficiente (vá se lá saber porquê), ou por outro motivo qualquer, apenas não o fez.

-Não vou negar. - Assentiu Pipo.
Apesar de estar cansado e com sono Pipo fazia um esforço para se tentar manter acordado, ao lado de Diana.
A conversa estava animada e o jovem não podia estar mais contente por ter decidido não ter ido para o seu quarto.

Diana sorriu.
Sentia-se um pouco culpada, o querubim estava cansado e com sono, mas a verdade é que não ia negar que gostava da sua presença.
Olhou para ele, encontrou-o com um olhar vago e talvez um pouco perdido.
- Mas e tu, estás quase sempre vago, perdido no teu pensamento? conta-me.. no que é que te perder assim, tão facilmente - inquiriu-o timidamente.

Pipo não entendera muito bem porque é que Diana fizera aquela pergunta.
Olhou-a nos olhos e disse:
-Vago ? Nada disso. Se me perco é porque alguém me baralha os pensamentos. É o que tenho a dizer.
Virou a cabeça e desviou o olhar de Diana.

Diana achou estranha aquela resposta, mas prosseguiu:
- e alguém te baralha os pensamentos? porquê?
Pipo havia desviado a cara e Diana não conseguia perceber a expressão do seu rosto, não o que os seus olhos estavam a dizer ou exprimir.
Esperou uns segundos até que ele respondesse, o vento soprava mais forte, o frio apoderava-se dos seus pensamentos, por momentos achara que o seu coração ficara imóvel, mas foi apenas momentâneo.

Pipo voltou a olhar para Diana e disse:
-Deixa isso.
Diana parecia confundida e Pipo pareceu não querer esclarecer a jovem. Passado um momento, Pipo volto a perguntar:
-Ainda não tens sono ?

Diana não percebeu o rapaz, mas não perguntou mais nada.
- Um pouco.. - disse apreensiva.
A noite estava tão calma que a respiração de ambos era passível de ser ouvida.
- Queres ir-te embora? - perguntou ao rapaz.
Este ficou um pouco calado, Diana aguardava a sua resposta olhando-o fixamente.

Por mais que a sua mente quisesse, o coração não deixava. Queria ficar ali, pois sentia-se bem. Respondeu então:
-Não. Por mais sono que tenha vou ficar aqui. Aliás, é mesmo isso que vou fazer.
Deitou-se de lado, pôs as mãos debaixo da cara e sussurrou:
-Vais ficar aí assim ?

Diana deitou-se.
- queres que fique como? - perguntou-lhe entre risos.
Diana estava deitada de lado também, olhava Pipo nos olhos. Sempre achara que essa era a melhor forma de conversar com alguém. Ignorava o sono, o frio, e todos os factores que a fariam ir para o quarto. Estar ali era o que queria.

Depois de Diana se deitar também e ficar a seu lado, Pipo não tirava o olhar dos seus olhos e disse-lhe, lentamente:
-Grande noite, obrigado.
Pipo via agora, pela primeira vez, toda a face de Diana. A luz lua permitia-lhe ver todos os detalhes e todos os centímetros da sua cara.

Diana estava deslumbrada, não sabia porquê, mas naquele momento algo a fascinava mais do que o Universo.
- Não agradeças - disse.
Após alguns segundo continuou sussurrando:
- Fazia-o sempre.
Diana proferiu aquelas palavras na esperança de que ele não as ouvisse. A lua era a única luz que tinham, acompanhada pelas estrelas, era um ambiente calmo e ela gostava disso.

Estava uma noite calma e Pipo abstraíra-se de tudo. Menos de Diana. Continuava a olhá-la frente a frente, sem qualquer obstáculo pelo meio. Por fim, algumas palavras soltaram-se da boca quase como por magia, sem conseguir explicar como aquilo ocorrera:
-És tu quem me baralha os pensamentos...

- Eu? - respondeu Diana incrédula - Porquê eu ?
Diana via agora todas as feições do seu rosto, todos os traços, o brilho dos seus olhos, o contorno da sua cara, as madeixas do seu cabelo, ...
- Desculpa, não era minha intenção - disse como se se tratasse de algo deveras horrível.
Diana há algum tempo que olhava Pipo nos olhos, contemplava-o como se ele próprio fosse uma daqueles pontos no Universo que a fascinavam

-Se tivesse resposta não teria os pensamentos baralhados, acredita. - Respondeu Pipo.
Diana tornara-se uma companhia que combinava perfeitamente com o ambiente que estava a viver. Era simpática, divertida e tinha algo que a tornava especial. Assim como todas aquelas estrelas que teimavam em iluminar o campo relvado.

Diana tinha receio de que do nada o querubim se lembrasse de ir embora, não era propriamente isso que ela queria.
- Desculpa se te baralho os pensamentos - assentiu - por outro lado, baralhas-me o coração.
Naquele momento uma explosão de sensações invadiu-lhe o corpo, tinha um nó na garganta, sentia um arrepio forte, os seus músculos tremiam como se fosse efeito do vento, no conjunto, ela não se sentia segura com as palavras que proferira.

Pipo fez uma expressão estranha:
-O coração ? - Inquiriu à querubin. - O que tenho de fazer para o desbaralhar ?
No fundo entendia as palavras de Diana, uma vez que algo se passava de idêntico com ele. É obvio que não são apenas os pensamentos que estão baralhados, pensava Pipo.

Diana respondeu-lhe com um encolher de ombros:
- Nem imagino.
Na realidade talvez fizesse uma vaga ideia, ou talvez isso fosse apenas o frio que não a deixava pensar, ou ainda as estrelas a encadear-lhe o pensamento. O frio começava a apoderar-se de si, mas o seu coração continuava a bater forte numa tentativa de a manter quente e de não a obrigar a sair dali.

Depois de uma brisa forte que despenteou os cabelos dos jovens, Pipo colocou-se numa posição mais confortável e disse:
-Acredito...
A noite já era longa mas a capacidade dos cherubins de suportar o ambiente que se tornara mais difícil de suportar revelara-se no momento em que decidiram ficar ali, até ao nascer do sol.

Diana voltara a sentar-se, estava novamente sentada no chão com os joelhos dobrados e as mãos à volta do mesmo.
A conversa estava, nos últimos minutos a perder-se um pouco, por razões às quais Diana não era capaz de responder. Iam ficar ali até de manhã.
Um silêncio constrangedor invadiu-os após o "acredito" de Pipo. Diana não sabia o que pensar, o que lhe dizer, apenas sabia que queria permanecer ali, com ele.

Isaac e Jô chegaram ao pé do armazém e viram aquele bonito relvado Isaac correu para lá e mandou-se para o chão e começou a rebolar, ouviu Jô a rir-se baixinho e Isaac perguntou :
-O que é ? não posso rebolar na relva ou é proibido porque senhora Jô não deixa ?
-Nada, nada continua.-disse Jô
-Acho bem ?-disse Isaac com um sorriso na cara.